terça-feira, 23 de novembro de 2010

O enriquecimento de urânio no Brasil

 
Em 1939, um mês antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, Einstein escreveu uma carta ao presidente Roosevelt alertando-o sobre as pesquisas acerca da fissão do urânio, desenvolvidas por Otto Hahn e colegas na Alemanha. Os estudos poderiam conduzir à conquista da conversão da matéria em energia, prevista na sua teoria especial da relatividade. Einstein temia que o controle de tal processo, aplicado para fins bélicos, conferisse a Hitler, que já havia proibido a exportação de urânio pela Checoslováquia ocupada, o poder de dominar o mundo, encerrando a civilização nas negras masmorras da ditadura nazista. Cessou aí a decisiva contribuição do pacifista Einstein ao que se tornou o Projeto Manhattan.

O projeto culminou na eliminação de milhares de vidas de cidadãos inocentes em Hiroshima e Nagasaki em 1945, no fim da Guerra. Paralelamente ao projeto militar, Enrico Fermi, que havia emigrado da Itália fugindo do regime fascista, logrou em 1942, pela primeira vez, num laboratório montado sob as estruturas de uma quadra esportiva na Universidade de Chicago, o controle da reação em cadeia da fissão do urânio para fins pacíficos, construindo a chamada pilha atômica, precursora das modernas centrais nucleares de produção de energia elétrica.

Para o funcionamento eficiente dos reatores nucleares, usados na geração de energia elétrica ou como força propulsora, o combustível deve apresentar o urânio-235 na proporção entre 2% e 3%, enquanto que nas bombas atômicas requer-se 90%. Como o minério contém apenas 0,7%, o urânio deve passar por um processamento de elevação do teor desse isótopo, conhecido como enriquecimento de urânio. O primeiro método utilizado em escala industrial foi o da difusão gasosa, que consiste na passagem do gás hexafluoreto de urânio por paredes porosas, atingindo-se a cada passagem maior concentração das moléculas mais leves de UF6, formadas por átomos do isótopo desejado.

Um outro método consiste na ultracentrifugação do gás, de forma a poder coletar-se as moléculas mais leves fora da borda da centrífuga. Esse método ainda se encontrava em fase experimental em 1975 quando o presidente Geisel assinou o Acordo Brasil-Alemanha, no qual constava, além da aquisição das centrais nucleares de Angra 2 e 3, a transferência dessa segunda tecnologia de enriquecimento desenvolvida até aquela época pela Alemanha.

De lá para cá, pouco se tem falado a respeito de eventuais avanços alcançados por cientistas e técnicos brasileiros nesse tópico, até que o jornal New York Times noticiasse recentemente a dificuldade enfrentada por inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para acessar uma parte das dependências da fábrica de Resende (RJ), onde os equipamentos de enriquecimento encontram-se instalados. Autoridades do governo alegam a necessidade de proteção do know-how adquirido após a injeção de mais de um bilhão de dólares de investimentos em pesquisas, o que nos teriam tornado auto-suficientes na produção do combustível nuclear para as usinas de Angra dos Reis (RJ).

Entretanto, José Goldemberg, eminente físico brasileiro, com passagens na direção da Sociedade Brasileira de Física, na reitoria da USP e no Ministério da Ciência e Tecnologia no governo Collor, e que tem acompanhado o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro há várias décadas, afirmou em entrevista na televisão que na realidade não haveria segredo industrial a se esconder, pois os detalhes do processo já seriam do livre conhecimento acadêmico.

Não sabemos quem está com a razão, mas o certo é que o enriquecimento de urânio deve ser monitorado para se evitar qualquer dúvida quanto à sua finalidade pacífica, dentro do parâmetro de 3%, debalde a garantia constitucional que proíbe aplicações bélicas e a adesão ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. É preciso deixar claro mais uma vez o não endosso às declarações confusas do ex-ministro Roberto Amaral, dadas logo no início do atual governo, de tal maneira a refletir o espírito indubitavelmente pacífico, fraterno, hospitaleiro do nosso povo, avesso a qualquer aspiração de destaque no cenário internacional a custa de armas. Antes, esporte, música e carnaval!

Monteiro Lobato chegou a defender a tese de que o mundo seria mais seguro depois que as maiores nações fossem todas detentoras de armas atômicas, pois logo perceberiam a inutilidade de qualquer beligerância. Mas não viveu para presenciar as tensões sentidas durante a Guerra Fria, quando estivemos próximos do holocausto. Essa paz armada até os dentes não interessa a ninguém.

Hoje, temos o terrorismo exacerbado que lograria um enorme poder de persuasão se dispusesse de armamento nuclear, por mais simples que fosse. Daí a preocupação quase paranóica dos norte-americanos após o episódio de 11 de setembro, ironicamente ocorrido na mesma Manhattan que batizou o projeto pioneiro de desenvolvimento de armas atômicas, quando colheram frutos de uma política externa com certeza equivocada. Portanto, não custa nada negociar a visita dos inspetores da AIEA de tal forma a proteger possíveis segredos industriais e, ao mesmo tempo, dissipar quaisquer dúvidas quanto aos objetivos pacíficos do nosso programa e às boas intenções do governo brasileiro.

http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=6253

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